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A ENCHENTE DO RIO


A ENCHENTE DO RIO


Oh, Meu bom São Pedro!, Oh, meu Pai do Céu! Oh, Nossa Virgem Santíssima!!!
Naquele ano de 1972, choveu tão desafortunadamente que mais parecia um dilúvio, torrentes fizeram os rios transborarem.,
A rua do Arame estava quase toda alagada. Muitas árvores foram derrubadas pela raiz e casas de taipa ficaram penduradas, ou só o esqueleto.. As águas inundaram até a rua São Pedro, atrás da igreja, Muitas roças de algodão e roçados de milho e feijão, lá no terreno de Zuquinha ficaram debaixo d'água. Muitas plantações de algodão e de feijão foram perdidas ou deitadas ao solo inundado.
Eu vi, juro que vi, os filhos de Pau-Pedra atravessarem a nado toda aquela torrente, usando também câmaras-de-ar que infladas ajudavam no transporte e travessia dos filhos de Várzea e de Nova Esperança para a outra margem do rio.. Muitos jerimuns e melancias desciam as águas do rio que arrastava tudo, no dilúvio.
Por ali atravessavam jegues, cabras, cabritos, porcos, querosene e garajaus de peixe-seco e rapadura para a bodega de Seu Zé Anjo.
Ainda assim a terra agradecia a enchente. Várzea estava revigorada. A alegria aumentava para quem lançava de novo a semente.
E o povo de Várzea agradecia a São Pedro, em vez de prantear suas perdas. Lembro-me do Pai de Horácio, ele era homem da terra, com seus cinqüenta anos. Tinha os cabelos já grisalhos, braços fortes da lida na roça, pele queimada pelo sol ardente.
Passada a enchente, estavam todos ali a semear de novo o que a água levara.
E satisfeitos da vida, abriam um sorriso com poucos dentes, mas muito verdadeiro. Várzea estava tão fértil após a enchente. Dona Maria Batista já correra para a igreja agradecer a São Pedro.
Lembro-me muito bem de uma figura inesquecível, a dona Neda lá da rua do Arame. Ela amamentava o filho caçula, com mais de 5 anos. A sua casa ficava próxima ao beco que dava para o rio. Bom exemplo: seu leite de mãe nunca secava antes do tempo. Só restava para ela, naqueles dias e noites de chuvas torrenciais agradecer a Deus pelo alimento, pelo pescado que o rio lhe daria, pelas piabas, tintins, carás, aratanhas, traíras, mussuns e jundiás. Em fim, pelo alimento que ela tiraria do rio com seu forte landuá. Ela tinha esperança de tudo melhorar. Tinha tantos filhos, Ivan, Marineide, entre outros, muitas bocas para ela sustentar.
Dona Neda, entre uma cachimbada e outra, gostava de conversar com meu pai Odilon, a quem ela tinha como a um filho. Era uma senhora humilde, mas era de uma alegria que só vendo. Ela parava sempre na descida do rio, fazia o pelo sinal, se benzia, junto àquela pequena cruz de madeira sobre um monte de terra coberto por flores murchas sob o sol inclemente. No final da pescaria, entre samburás e linhas de anzol, ela dividia o pescado, já imaginando o dia seguinte.
Na descida para a travessia do rio, bem no comecinho, ali ficava a cruz do rio da Cruz. Lembro-me bem.
Lembro bem da dona Joana Izabel, minha tia, irmã do meu Pai Odilon, casada com o Seu Lili, era uma mulher forte, acostumada às lidas na roça, a faina diária do lar e a cria de filhos. Já tinha parido seis, dos quais a última era uma menina, Tânia. Minha tia Joana também pescava ao lado de Dona Neda, usando até garrafas que eram furadas no fundo para pegar piabas, com farinha. Tudo para não deixar ninguém passar fome, encher suas barrigas que clamavam o pão nosso de cada dia. Interessante como essas coisas ficaram guardadas na minha memória desde o tempo de menino.
Várzea e suas enchentes. Sua gente tão decente, lutando para sobreviver. Dignidade varzeana. Que coisa mais bonita de se lembrar. Isso transborda na alma da gente, as lembranças amanhecem e tingem de ouro aquele tempo de banhos de rio, de pescaria, de cacimbas, de água potável, de boas recordações.
Isto é Várzea, a nossa Cidade da Cultura e da Esperança.


Autor: João Maria Ludugero da Silva (05/11/2008).
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Beto Bello

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