
COIVARAS
Autor: Ludugero, 15/06/2009.
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Ontem o sol caiu mais cedo
Na minha seara de São Pedro apóstolo
E o céu me trouxe a lua toda branca, branca.
E nela estava inexplicavelmente tua face, longe, longe.
Teu sorriso era pálido, descorado,
Assim como um anjo de asa quebrada,
Morno como a brisa na folhagem.
Tu que eras tão fértil, tão vivaz, tão feliz!
Eras para mim a mais linda flor do agreste.
Hoje tudo se tornou tão arisco e tão árido!
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Teu coração já não me aquece.
Estais tão distante, léguas e léguas.
Ao te auscultar o peito, de logo,
Já não conheço teus ruídos, tuas manhas.
E me assombro justo com o que me admirava.
Eu sofro pela alegria que não vivemos,
Pelos beijos não roubados,
Pelas coisas que não fizemos.
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Eu já sinto o frio que azulejou tua alma. Extravio.
Na tua pele bronzeada vislumbro um brilho vago, opaco.
Sinto que se avermelhou teu olhar verde, num vale de lágrimas,
Pela falta de tato, pelo sonho atirado na cumeeira
Pelas palavras ao vento, pela sina sem teto, pelo desperdício,
Quando tuas mãos, impensadamente iradas, tremiam.
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A vida ganhava uma nova dimensão para mim:
Na exiguidade do tempo, eu fui apenas passageiro
O tempo passou desatado, sem trégua pela vida.
E nós passamos um pelo outro, de graça.
Agora não tem relógio a trazê-la de volta.
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Ficou apenas a saudade que herdei dos instantes
E das lembranças das tardes amenas,
Que pareciam concretas, sinceras, tranquilas,
Em que alicerçávamos sonhos azuis e amarelos.
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Dali em diante, eu começara a balbuciar incoerências
Fio a fio, na meada da vida, tecemos lençóis e sedas.
Sem saber como, desde e porquê,
Agora choramos sem lenços, calados e aos berros.
E o que ficou evaporou-se, na história
Pelas trilhas da minha Várzea das Acácias.
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Apesar das perdas,
Apesar dos pesares,
Apesar das murchas flores do maracujá,
Apesar da paixão que se foi na coivara
Apesar dos troncos e galhos não queimados de todo
Apesar das línguas afiadas e cegas,
Apesar das farpas e dos arames
Apesar dos rasgos na pele e na carne, no cerne
O fardo ficou mais leve.
Acendi todas as velas.
Eu carreguei todas as pedras pela rua das pedras.
Penitente, acompanhei a procissão de São Pedro,
Pé no chão, paguei todas as promessas no Cruzeiro.
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E com as pedras o que construí?
Justo com elas refiz meu castelo, que estava em ruínas.
Num minuto eu era um ser novo, renovado!
A incerteza tinha-me deixado. Será?
Eu estava livre, aliviado, de fato,
Das amarrações e dos pecados.
Mas e aquele Amor que não fazia sombras, intacto
Esse, juro permaneceu como dantes em embrião.
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Depois de tudo passado,
Porque vieste tu fazê-lo desabrochar...
Porque germinar esta semente
largada na sombra dos esquecidos?
Porque vieste de novo, do silêncio?
Porque ficaste esquecido tanto tempo,
E agora renasceste das cinzas?
E o porquê não se desarmas, não desistes,
Não me desamarras de ti?
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De uma coisa tenho certeza,
O porquê é a constância que se mantém, do que fica,
Quando a continuidade de uma dúvida começa a vacilar!
O porquê é o atrofiamento da evidência,
Quando a verdade ameaçar revelar, é o que significa!
O porquê é a ignorância que persiste, subsiste
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Quando o coração procura uma razão
De ser, viver, sofrer, sonhar
E amar por toda uma vida,
Sem dúvida, sem esporas, nem escoras
Sem juras, sem cobranças, nem amarras
O porquê, esse mistério que nos queima
Indubitavelmente sempre certo,
A nos lançar de novo ao fogo.
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E lá estamos nós outra vez, a arder
Sem peias, nem prisão de cordas ou de ferro
Que seguram os pés das bestas,
Prontos para o incêndio do amar de novo!
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