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LEMBRANÇAS AO ENTARDECER...

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LEMBRANÇAS AO ENTARDECER...
Autor: Ludugero, 07/07/2009.
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Em Várzea, o verão já se esgueira lá para as bandas do rio Joca. À medida que o sigo, descendo a rua São Pedro, noto que a encosta por trás da do rio da Cruz vai mudando na cor da paisagem - o castanho, com doçura inexorável, empurra o amarelo das flores silvestres para o próximo ano, pelos caminhos traçados que levam ao Vapor e suas trilhas.
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Mas o verde não se acaba ali, não muda o verde estampado nas folhas do coqueiral do rio, nem a estridência do cantar dos miúdos sebitos, no verdejante mato, de onde resta o eco do (en)canto dos passarinhos. Canto divertido, nunca amargo, como que a pegar carona na brisa, a galopar nas lembranças que chegam com o cair da tarde.
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Chego em casa, observo as moscas de frutas na mesa. Num vaso, flores secas e murchas. Ainda, na mesa de madeira pintada de azul, meio encardida pelo tempo, resta uma tapioca meio dura, fria, astutamente escondida num prato, num canto da cozinha.
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Levanto-me da rede de algodão. A sala está em silêncio, Dona Maria não está presente, apenas na foto pendurada na parede. Ela e Seu Odilon permanecem juntos, unidos e pintados na moldura azul emoldurada no prego da sala-de-estar.
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O tempo passa. As lembranças aparecem de repente, obedecendo a ordem nenhuma, nem a vento ou luar. O retrato na parede está calado, na penumbra, apesar das frestas do sol que invade os corredores da casa.
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É dia de domingo. É fim de feira, tarde de sol, tarde amena que emana muitas recordações na minha pequena Várzea. É verdade. As lembranças tilintam na alma da gente. E se demoram, insistem em arder no juízo e a partir o coração.
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E o que torna esta demora mais exasperante é saber que nada agora pode ser completado, nada daquilo que poderia ter sido dito ou feito. O relógio do tempo não volta seus ponteiros, nem promete que chega ao fim essa dor quando o outono chegar. E a gente vai vivendo assim de ilusões e de esperanças, às quais nunca puderam dar morte as adversidades e os contratempos, os pesares. Porque o povo varzeano ainda acredita na mais bonita ideia de que a esperança é a última que morre, ou não morre jamais, apenas se renova...
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E assim, vou buscando as toalhas de rosto bordadas pelas mãos de minha mãe Maria, vou tocá-las com a face, como que a beijar alguém que não vai mais voltar. Vou me resignar, colocar a toalha sob os ombros, e agradecer por ela ter existido, ela: minha mãe Maria.
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Corre uma aragem pela casa, mas não pode arrepiar-me os ombros nem apagar o meu sorriso... As lembranças ficarão em mim, para sempre. Até mesmo depois do dia em que eu me for embora encontrar-me com dona Maria. Esta será uma outra estação.
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As folhas do pé de graviola caem em volta do banco de tijolo e cimento erguido ali no oitão da casa de Seu Odilon, ali na rua Coronel Felipe Jorge, no centro da minha Várzea das Acácias. As folhas caem e são levadas pelo vento, Calango a fora!
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São folhas, são páginas da vida, páginas viradas do livro da vida, que ficarão bem guardadas no vão da história.
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Beto Bello

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1 comments:

  1. Até para falar de saudade,o poeta ludugero tem a maestria das palvras certas.Poeta Varzeano, nunca deixe a tristeza ganhar de todo o seu espaço no coração...VC me fez chorar,mas mesmo assim gosto dos seus textos! é muito bonito ler e reler cada oração. Vc tem a capacdade de mexer com a gente.Obrigado por vc existir! Abraços ÉRICA MELLO.

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