VÁRZEA EM RITMO DE CHUVA

autor: João Ludugero

naquela casa simples,

cai a chuva para silenciar as horas.

chuva para espalhar cheiros

e ruídos por toda a casa de seu Odilon

pelas vasilhas na cozinha, pela sala de estar

para aquietar as cinzas do tempo.

chuva para lavar a rua

e suas casas caiadas, muros e cercas

seus tetos e jardins de hisbiscos

chuva nos telhados

para fazer a enxurrada,

águas nas calçadas,

a escoar pelas calhas

da igreja do apóstolo da chuva

chuva: lágrimas de São Pedro!

chuva para fazer a alegrias das crianças

meninos e meninas na rua da pedra

todos a tomar banho de chuva,

a soltar seus barquinhos de papel,

a regar suas esperanças e a algarobeira

chuva de sonhos na praça do encontro,

acordes de quereres ali no cruzeiro

em sintonia com a invernada

chuva para nos levar a espreguiçar na rede

chuva a encaminhar o insone cedinho, cedinho à cama.

chuva para romper a incandescente luz da noite tardia

chuva para fazer a enchente do rio Joca,

chuva para encher o açude

e fazer sangrar o Calango.

na chuva, o fio de pensamentos

nasce com os pingos

que tentam furar o telhado,

ao som do barulho

que faz a gente viajar sem sair o lugar,

em mover o coração igual ao de quem,

inutilmente, quer parar as horas.

só sei que as lembranças perfuram os dias

e se prolongam noites a dentro, com a chuva,

e arrancam do passado recordações
de tantas águas

de uma fonte que não seca nunca,

que insiste em correr
nas minhas veias,
a percorrer nos campos
da minha Várzea

chove, chuva!
venha molhar meu rosto

e lavar essa saudade
que não sai do meu peito!