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LAVADEIRAS









Autor: João Maria Ludugero

Falando de lavadeiras, me vem a lembrança de Dona Zidora Paulino, corajosa senhora que não tinha tempo para lamento nem lamúrias, engenhosa dona de casa, doceira e quituteira de mão cheia, ela acreditava na força do braço, ia à luta, sem reclamar da sorte. Se a vida mal lhe queria. Bem lhe queria. Muito. Pouco. Nada. Continuava a girar a roda da vida, sem dispensar nenhuma destas variantes.

Ela acordava cedo, antes do galo cantar, junto com a estrela da madrugada, ainda escuro, mas o breu não lhe metia medo algum. Seguia, de cabeça erguida, destemida, com a trouxa de roupa na cabeça, rumo ao Arisco. E não marchava sozinha, mas seguida de perto por outras mulheres que lavavam a roupa caseira, sua ou alheia, em poços, ariscos, riachos, rios, timbós e retiros, perto ou circunvizinhos, desde a Ramada ao rio da Una.

Sou testemunha ocular desse ofício. Antes de chegar a água encanada em Várzea, era frequente, muito comum ver as lavadeiras se dirigirem em busca de lavadouros, e geralmente andavam com grandes trouxas na cabeça, muitas vezes, por léguas e léguas, de lua a sol a pino, daqueles de rachar o quengo.

Por vezes, fui aos lavadouros, que podiam ser uma laje inclinada, uma pedra lisa num chão de seixos e lodo. Ali as lavadeiras ensaboavam e esfregavam com os punhos fechados, peça a peça de roupa, usando-se sabão em barra, pó e tabletes de anil. E elas ainda arranjavam tempo para suas cantigas.

No instante em que as roupas eram estendidas no quaradouro, que podia ser o chão ou na areia, com o sabão e ainda molhadas, sob o sol, as lavadeiras partiam para a hora do rancho, tudo preparado ali numa trempe, espécie de arranjo com três pedras sobre as quais se apoiava a panela quando levada ao fogo de lenha ou gravetas secos.

Depois do almoço, quarada a roupa, lavava-se suavemente, tirava-se-lhes o sabão, enxaguava-se e torcia-se no ar, com as duas mãos; sendo peças grandes, era preciso duas pessoas, uma de cada lado. Colocava-se a secar em cordas, arames, etc. Depois de seca, a roupa limpa e cheirosa voltava a ser uma nova grande trouxa. E assim, as lavadeiras voltavam para casa, vestidas de satisfação pelo dever cumprido, deveras com a alma lavada e enxaguada, quando entoavam a cantiga da alegria de voltar, sem cansaço da lida, sem reclamar da sorte, porque tinham o prazer de fazer bem feito o ofício, dia-após-dia.
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João Maria Ludugero

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2 comments:

  1. Sem palavras para comentar...texto magnífico!!
    Uma beleza. Esse cara é mesmo um incrível escritor. Parabéns! Me faltam palavras para expressar qualquer elogio, pois o texto-poema é formidável. Abração,
    Jansen

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  2. Tudo, tudo de bom, de lavar a alma da gente!
    Maravilhaaaaaaa!!!!!!! Beijos, Ana

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