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CANECA DE ÁGATA, por João Maria Ludugero


Ao cair da aurora,
Minha avó Dalila já acordava ao quintal
cuidando da horta,  falando às plantas.
Ela ordenhava a vaquinha mocha
e enchia minha caneca de ágata
de leite quentinho
que eu tomava fazendo o bigode,
ainda esfregando o sono dos olhos,
antes de trepar nas goiabeiras
artimanhando estripulias de moleque
levado da breca, a catar os ovos
e a assanhar as galinhas.
Minha caneca era de ágata
de um azul-que-não-mais-existe.
O tempo descascou suas bordas
e buliu até mesmo com a tinta do bule.
Agora, só ficou na minha memória,
nesta vontade de voltar a Várzea,
só pra recordar minha avó Dalila
colhendo o dia, no correr das horas,
falando com o jerimunzeiro,
cantando para fazer crescer os tomates,
assobiando ao vento sua alegria,
inventando cantigas de puxar a lida
e eu a receber a caneca de suas mãos
repleta assim de poesia tão singela
a me servir das broas de milho,
de tapiocas de coco no alguidar
de coalhadas e do leite azedo,
do pão molhado no café-com-leite.
Minha vida. Estou aqui, vó:
eu careço dessas regalias a me ninar,
deixar-me levar pelos cascos do tempo,
assim quem sabe vou poetizando incansável,
a empunhar minha caneca de ágata,
sem chorar o leite do passado, a contento,
vou sorrir de novo, a limpar a espuma do bigode,
vou até lamber as sobras das tigelas, a dedo.
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João Maria Ludugero

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