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A LENDA O CARRO ENCANTADO E A LENDA DA MULHER QUE CHORA

Lenda varzeana a mulher que chora




A LENDA O CARRO ENCANTADO
E A LENDA DA MULHER QUE CHORA

Autor: João Maria Ludugero (03.11.2008)



Em Várzea, já se fazia alta noite, altas horas.
O vento soprava frio pelas quatro-bocas da cidade. Calafrios na espinha.
As palmeiras da matriz de São Pedro já agitavam mais fortemente as suas verdes asas.
E os paralelepípedos da rua José Lúcio já não ardiam de calor, estavam mais gelados, já não se ouvia mais um pisado humano sequer, aliás, os vira-latas de Ana Moita ensaiavam latidos de gelar a alma. Doíam na alma os Pios de coruja.
A noite caiu e a lua estava meio-escondida lá para as bandas da fazenda do Vapor...
Na praça central toda bem cuidada havia um jardim, que exalava um perfume bom, um aroma das flores plantadas por Maria Orlanda de Seu Nestor.
Havia ali hibiscos rosas, bambuzinhos, espadas de São Jorge, nove-horas, lírios, 'flamboyants' e damas-da-noite e boas-noites brancas e roxas.
Lembro-me que era dali que saíam muitas flores para o altar de São Pedro e para enfeitar o andor na procissão de Nossa Senhora da Conceição.
O Sino está quieto no coreto da igreja. Nada se badala pela cidade. Dona Bena já batera a porta da mercearia. Seu Virgílio Pedro já recebera o caminhão algodão. Dona Suli já esperava Seu Nezinho. Havia um cheiro muito gostoso dé iscas de fígado acebolado a esperar o Pai de Dona Wilma Anacleto.
Além dos muros do casarão dos Tomaz brotava o cheiro do rosedá em flor por toda a Travessa Brasiliano Coelho. Ali Seu Nenê e Dona Tide esperavam Dedé chegar no Jipe, ele fora entregar pão e bolachão lá em Lajedo Grande, ou estaria voltando da Lagoa Comprida?
Seu Bita, o pai do Marcos, do Jonas, da Leila e do Júnior, não mais estava de plantão. Já naquela hora da noite a farmácia não vendia mais nenhum Sonrisal nenhuma aspirina.

Agora, alta madrugada, a gente cedo acendia as lamparinas a querosene, os candeeiros a gás,
pois ainda não havia luz elétrica na cidadezinha de Mãe Claudina.
Ah, tinha sim, muita alegria da criançada a brincar a ciranda da vida, a pular cordas, a jogar bola e a correr pelas mesas do mercado central da rua Grande, digo José Lúcio Ribeiro, o coronel.

Olha que até a Mercearia do Seu Olival já dera boa-noite e fechado as portas. Seu Louro-Lourival já fechara cedo.
Dona Inês Rosa já terminara de tecer suas linhas, seus novelos, suas rendas.
Seu Raimundo Rosa já tomara o rumo do Arisco lá para as bandas do Seu Nilton, no seu cavalo preto e de capa preta.
Ninguém mais cruzava o beco de Seu Antonio Duaca.
Acho até que não havia nenhum hóspede na pousada de Dona Ana do Rego.
Na rua Nova nada de novo, nenhuma cantoria, nenhum Boi-de-reis, nenhuma pastorinha do Seu Antonio, ou seria Juvenal Rosendo?
Na rua das pedras ninguém mais andava.
Seu Otávio, Pai do Maninho, já fechara as sinucas e o bar. Com o seu chapéu de massa já chegara em casa, dando boas-noites à dona Marica, mãe de Nininha, Lúcia, Assunção, João Maria e Tulinho.

Seu Antonio Ventinha já fizera a matança dos porcos.
Na rua da Matança havia uma figueira, ou seria um pé de pitomba?
Na rua da Matança havia um curtume, havia cheiros de carne e sal. Salmoras a escorrer a céu-aberto.

Na rua da Matança havia um couro esticado num varal. Lembro-me bem. Tantos couros esticados pela rua da saudade.
As últimas lamparinas estavam dando adeus. Já era noite alta. A lua já fora se esconder. O silêncio já era solene. O vento uivava aos quatro cantos. Boa noite, Várzea!
Dona Santina já fechara as portas de sua casa lá no alto. E o Seu Ocino já prendera os animais na cocheira ao lado. Os vagalumes podiam ser vistos ao cantar dos insistentes grilos.
A noite chegara e já se dera o último gole no bar do Biga. Acabara-se o jogo de cartas lá no Zé Pifani. As damas já estavam guardadas. Arlindo já fechara a sua barbearia.
Nada mais de vozes, nem caos, nem nada. Só vento que ventarola na rua do Cruzeiro, apagando as últimas velas, aquelas acesas para as almas penadas.

Mas nem tudo se cala: Eu e meus irmãos, papai e mamãe, toda família, ficávamos dentro de casa, e eu, curioso que só vendo, a olhar pelas frestas da porta... E não demorava a aparecer, na vastidão da rua, a "Mulher que Chora" e, mais ao longe, o lusco-fusco do "Carro Encantado" da meia-noite.
E, assim, a noite se faz em Várzea (digo se fazia). houve o tempo em que fazia o povo tremer com receio de encontrar aquela alma penada da Mulher que Chora. Nua ou vestida, pobre ou rica...
Mulher que Chora de quê? Por quê? Chorava por quem essa Mulher?
Por que cargas d'água chorava aquela mulher encantada?
E me diga aonde foi parar aquele Carro Encantado da nossa imaginação da Várzea de ontem?
Digo, seria a prenunciar a morte do rio Joca, que hoje pede por socorro?
A fazenda do Vapor está lá...
A Mulher Chora um rio....
Cadê o Joca, o rio, cadê?
Não deixemos, pois, morrer o rio nem a lenda, porque sem eles a vida perde um pouco da graça e muito mais perderemos nós a beleza do rio que nos faz mais ter uma Várzea mais viva, com mais flores, mais lenda, mais linda, mais encantada que seja a cidade amada. Eu te amo, Várzea!

Encantado é o tempo que passou...
Deixando a saudade em nós. Saudade que mata a gente e aos poucos nos faz acreditar que a lenda precisa ficar... A gente não precisa chorar feito o homem ou a mulher que choram, mas desencantar o veículo do sonho de acreditar que existe um lugar no mundo muito bonito: esse lugar se chama Várzea.

Que mudem os nomes, que batizem as ruas com nomes, que se derem nomes a tudo, mas que aprendamos a cuidar da vida que Várzea nos dá.
A natureza agradece. A cultura prevalecerá!


Edição do VNT
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Beto Bello

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