Recent

Postagens mais visitadas

Navigation

FAZENDO BARULHO: DA UTILIDADE E DA INUTILIDADE DA POESIA

FAZENDO BARULHO: DA UTILIDADE E DA INUTILIDADE DA POESIA

Manuel de Barros, um dos principais poetas contemporâneos do Brasil, em um de seus 'Arranjos para assobio' nos aponta que o poema é antes de tudo um inutensílio. Muitos teóricos e críticos da arte já se propuseram a definir o poético e a pensar na utilidade da literatura.

Nos dias de hoje, o debate parece se acentuar nas rodas, nas academias, nas mídias eletrônicas. Com um mercado editorial que define as regras do jogo a partir do mais rentável, o lugar da poesia fica cada vez mais à margem dos grandes 'best-sellers'. Daí a insistência da pergunta: o que é útil e o que é didático na poesia?

Bem, com toda modéstia, aqui como um mero escritor metido a ser poeta, não pretendo rever aspectos da teoria geral ou da filosofia da arte. Não me interessa aqui falar sobre o papel social do artista ou da literatura engajada nem destacar a vontade de liberdade e subjetivação românticas.

A crítica que ora incito está ligada simplesmente à educação do homem para o sensível. É apenas um olhar para a necessidade da ciranda de palavras capazes de revitalizar o homem.

Nesse diapasão, admiro e gosto muito da proposta de Rubem Alves para a questão, a partir de sua pedagogia dos sentidos. Segundo ele, o corpo carrega duas caixas: a caixa das ferramentas, que nos dão o que necessitamos para viver, e a caixa dos brinquedos, com coisas "inúteis", mas que nos fazem viver de bem com a vida, mais felizes que de mal. Esta fica no cerne do coração, no ouvir e bem escutar as histórias dos velhos, nas delícias de beber o vinho e dançar livremente.

Enfim, na caixa de brinquedos que trazemos ao corpo está a ordem da fruição, a poesia, inútil, porque não é para ser usada, mas para ser gozada, em plenitude. A brincadeira, o gozo, o lúdico são necessidades humanas e coletivas. A poesia e a alegria estão por toda parte, basta a gente querer enxergá-las.

Eu estou longe da minha Várzea, longe dos quintais de terra. Mas a poesia me abre as portas, e de portas abertas, de janelas abertas, eu abro o peito e a minha visão alcança longe as ruas e becos da minha cidade, suas miragens, seus passeios, suas casas coloridas ou desbotadas pelo tempo, pela saudade do meu querido lugar (faz bem uma janela aberta/uma veia aberta).

Acho que sou mesmo metido a ser poeta, será? Não quero nem saber, eu quero mais é tocar o barco, aprumar as velas e navegar, sem medo de ser feliz. Sou poeta, sim, e daí? Que mal tem isso, ser sensível ou não sê-lo? Raios que o partam.

Eu quero mais é escrever, gozar, sem nenhum receio de mostrar como se goza. A vida é isso. Amanhã pode ser tarde. Amanhã pode não ser mais que cinzas e adeus. Portanto, à puta que o pariu com o preconceito. Eu sou poeta!

Eu quero mais é dizer que não estou aqui apenas a passeio. Quero mandar meu recado, nem que seja para mim mesmo ou para as paredes. E daí? Eu sou dono do meu pensar e sei lidar com as palavras e não estou aqui apenas de enfeite. Eu quero mais é gozar a vida, com tudo a que tenho direito, incomodando ou não, quero eu mesmo ser dono do meu nariz, botar a boca no trombone e fazer o barulho que eu quiser, e que se danem os descrentes de tudo, com suas pílulas para dormir, com seus reguladores e calmantes.

Eu prometo muito incomodar ainda com as minhas palavras, não vou cruzar os braços, nem vou poupar o verbo. Enquanto eu tiver a voz, vou fazer valer a minha coragem de continuar 'entesourando' com as letras, tecendo os meus textos e quase poemas. Vou continuar gozando da vida, enquanto ouvir uma única criatura a me ouvir ou não, pois acredito na minha força escrita, nas minhas palavras, que muitas ainda serão ditas. Que me aguardem, pois tenho muita sede de escrever... de gozar, de bater com as palavras, de apanhar o sonho! Eu vou à luta, com unhas e dentes, com toda a garra. É pagar para ver, pode crer!

Ali na minha Várzea as pessoas não percebem, mas está na cara, que a simplicidade dos seus moradores, da sua gente pacata só quer uma coisa: a partilha da poesia, da luta que corre solta pelas ruas de singelos paralelepípedos, chão batido e batizado por tantas pessoas que já se foram, mas deixaram suas marcas nas calçadas, nos bancos das praças, aonde palmeiras continuam lá feito sentinelas do tempo, altaneiras, erguidas folhas verdes a testemunhar a certeza de que não estamos aqui por acaso, apesar de estarmos de passagem, apesar de todos os ventos a favor ou não. A gente sopra e acredita. Eu acredito na força do Santíssimo Sacramento, essa chama ninguém apaga!

Marcas do que se foi, filhos que Várzea fez e fará, e que, certamente, continuarão a semear o futuro do nosso ensolarado chão, terra de Duacas, Caicos, Belos, Anacletos, Mulatos, Rosas, Joaninhas e Dalilas. Terra de Odilon Ludugero, meu magnífico pai, que continua ali, de cabeça branca, mas acreditando na força do seu braço. Doa a quem doer, ele não é nenhum Sansão, mas tem a força que Deus lhe dá, de sobra. Odilon, meu querido, meu velho e amigo de todas as horas.

Em cada letra de um poema que escrevo, a cada batida do meu coração-tambor, o gozo da alma. E como a alma precisa gozar, não é? Será que há inutilidade mais útil que esta?

Acho por demais interessante ver que o gozo pressupõe uma morte e um renascimento. Mais uma vez com Manuel de Barros, Ninguém é pai de um poema sem morrer. É preciso morrer para ser poeta ou para partilhar o canto. Morrer não no sentido ocidental de fim de um período ou fase, mas na dinâmica circular do tempo mítico, cuja morte pressupõe apenas a renovação de um ciclo vital.

Ora, para nos educarmos pela poesia é necessário morrer e nascer constantemente. Incorporar no nosso dia a dia a inutilidade da poesia. Gozar, enfim.

Autor: João Maria Ludugero, em 19 de janeiro de 2009.
Share
Banner

Beto Bello

Post A Comment:

0 comments:

OS COMENTÁRIOS POSTADOS AQUI SÃO DE EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DO AUTOR DO COMENTÁRIO.

PARA FAZER COMENTÁRIOS NO VNT:

Respeitar o outro, não conter insultos, agressões, ofensas e baixarias, caso contrário não serão aceitos.

Não usar nomes de terceiros para emitir opiniões, o uso indevido configura crime de falsidade ideológica.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.