VÁRZEA E UNS SONHOS ACORDADOS, por João Maria Ludugero

Uma vargem, um sonho

uma alpendre, uma rede

um olho d'água, um arisco

uma cuia para matar a sede, uma cacimba

uma enxada, um leirão, um roçado 

uma plantação de fava e feijão-de-corda

um paul de batatas-doces, jerimuns e mandiocas

um riachão, um galo de campina, um canário-da-terra

um chão de dentro, um rio joca, uma esperança nova

uma manhã de bons ares, um Vapor vital, um milharal

uma cantiga, um sabiá, um bem-te-vi, um verde juazeiro

um sonho acordado, um carro encantado, uma prece

uma praça, um encontro, uma quermesse, uma procissão

uma mulher que chora com uma trouxa na cabeça 

uma lenda, uma rua de pedra, uma estradinha de chão

um padre Armando, São Pedro apóstolo no topo da igreja 

um grito preso na garganta, um choro, uma promessa 

uma reza alvissareira de bom agouro, uma novena

um quintal, um terreiro, uma rua grande,  

um dia de domingo, uma feirinha-livre, 

uma barraquinha de tapioca, grude e bolo-preto

uma tarde amena, um campinho de Várzea

um magote de meninos guerreiros

um jogo bom da vida ali na esquina

uma vida em um lance, uma peleja 

em uma bela dividida, uma bola em vista

uma tábua de cocadas na beirada de campo

um momento mágico, uma festa contente, uma animação

um atacante na ideia, uma vontade de compartilhar

uma cultura viva, uma guerra com paz, uma só alegria 

um sonho de uma Várzea unida, pacata, hospitaleira 

uma gente bonita, independente de que lado seja

sem apartação ou banda do lado em que esteja, 

longe desse negócio de divisão ente bacurau e corujão

um coração ardente, um olé, um olá, sem entrave 

um chute perfeito, uma bola ao gol, uma vitória  

uma Várzea, um calor em suma, um bem-querer

um amor que não morre nunca: 

um amor pra sempre!