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NEM CRAVO NEM CANELA

NEM CRAVO NEM CANELA
Autor: Ludugero, 03/02/2009.
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Já se acenderam os postes na pequena Várzea. O sino de São Pedro já badalara a hora do 'Angelus'. As luzes da cidade ao longe ciciavam na memória dos muros, das casas caiadas.
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A professoara Gabriela Maurício de Alexandria dobrava a esquina abraçada aos seus livros, cadernos e pautas. Já de volta para casa, vindo do ofício da Escola Dom Joaquim de Almeida, ela mantinha seu perfil, de cabeça erguida tomava o rumo da rua Cel. Felipe Jorge, pronta para continuar sua lida, continuar no batente, na labuta diária, além de cuidar dos afazeres comezinhos, cuidar da sua prole, da sua família mais que abençoada, sagrada família.
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Gabriela Maurício é sinônimo de educação, de trabalho, de garra e de coragem. Ela nunca envelhece, traz consigo o dom da juventude, é como um vinho antigo, cada vez mais nobre, melhor como ser humano, ela é como o ouro que se renova ao ser lapidada. Quem foi que disse que ouro envelhece? pouco importa o tempo ido, tempos bem vividos, ela está lá firme e forte, de braços erguidos, de cabeça erguida, aguerrida, guerreira iluminada, combatente, senhora da educação e da paz. Justiça feita, sem rasgação de sedas. Não é mesmo?
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A coragem tem nome e ficará na história: Gabriela, sem cravo ou canela, afinal ela não veio a passeio, nem está ali em Várzea apenas de enfeite. Não preciso dizer mais nada ou acrescentar alguma coisa. Nem carece, mas se precisar, se for necessário, estarei pronto para rasgar o verbo, pois esta senhora merece todo o nosso respeito. Logo, acho de bom alvitre que se lave a boca antes quem quiser pensar de outra forma acerca dessa nobre senhora varzeana. Tenho dito e ponto.
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E minha Várzea continuava a descer a rua, entre boas-noites e amores-perfeitos, o ressoar dos passos das pessoas que regressavam para suas casas singelas, ao cair da tarde.
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No fim do Verão, o sol se escondia mais cedo na minha Várzea, permeado ao vento que distribuía aos quatro cantos o cheiro de pão quentinho, recém-saído da padaria de Seu Plácido Nenê Tomaz de Lima, bendito pão nosso de cada dia.
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Lembro-me de passar folha a folha pelo jardim de Maria Orlanda de seu Nestor, na praça central, eram tantos hibiscos floridos, palmas e lírios de toda cor, de tanto colorido. Ainda sinto o aroma no ar, o perfume.
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E o tempo passa, a correr como se a sombra dele trouxesse o suor daqueles dias de outrora, tempo de quintais, tempo de pardais, tempo de congas, tempo das meninas-moças de saias rodadas, de pregas que não acabavam mais.
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O tempo não silenciou minhas memórias.
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O vento joga luz nas cabeças, no meu crânio passa um filme sob a tênue cortina, enquanto observo a chuva a deslizar no vidro da janela, aqui da minha casa em Brasília, em na Capital da República.
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As lembranças que joeiram a minha alma, tolhem minha voz, mas não se calam nos corredores da minha casa, no escaninho da minha vida de memórias tantas.
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Lembro enquanto caminho sem idade pelas ruas da minha Várzea, na direção dos praças e dos jardins floridos daquele tempo. O silêncio parece longo, descortino o vento, paraliso os sentidos. Não me paraliso, não sou peça de museu, não fico prostrado às adversidades, sacudo a poeira do tempo e dou a volta, sem arrodeios, faço a história da minha gente.
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Há mais que um assobio na ventania a revolver minhas recordações, minhas lembranças, passo a passo. Ainda sinto o cheiro da tinta que borrava os papéis no mimeógrafo (aquele aparelho para tirar cópias de páginas escritas sobre papel especial, o estêncil), a escrita com que se respiravam as primeiras letras, os esboços, o croqui em breves traços minha vida de estudante, o ar profundo e o cheiro de jasmim que vinha do pátio da Escola São Pedro.
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Tudo passa como um filme em branco e preto na tela da minha memória, Eu viajo como um príncipe encantado a olhar para a crista das ondas do tempo, eu viajo feliz pelas ruas e becos da minha amada cidade, terra de Zilda Roriz de Oliveira, minha querida mestra, tijolo e argamassa no alicerce desse menino varzeano.
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E as imagens não se apagam na lembrança dessa paixão que nunca foi secreta, meu amor por esse chão, pela minha Várzea das acácias.



VNT Online, editado em, 13/02/2009
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Beto Bello

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