Autor: João Ludugero 
E Maria não desiste da lida. 
(Ilustração: Acrílico "AMOR EM CARNE VIVA",  de Gabriel Ferreira/2010)   | 
Permanece no rabo da fila, 
Na expectativa de melhorar de vida
Se espicha como pode, se contorse
Na dança da lagartixa, apanha  
Sem direito a ensaio, que nada
Ela faz das tripas coração.
Ossos do ofício, até vende rifa
Onde o sorteio, o alvo do prêmio 
É o seu corpo presente, de fato,
Triste ironia, vende as carnes
Para ter sustento e, na barganha, 
Tenta ganhar o pão.
Maria da raia, não há como evadir-se.
Gira sua sina enquanto o mundo roda e não debanda,
Ela abre o leque pra se abanar, sem remédio, 
Ao transpirar e suar frio no açougue
Ao cair na lábia da freguesia, ao dançar
Para satisfazer estranhos instintos
Na saia do seu destino 
Que acende a chama,
Enquanto ela se inflama
Sob a luz vermelha do calçadão.
A vida crua lhe tira o couro
Sem anestesia, sem fazer uso 
De navalha alguma, do corte
Maria já nem sente o medo atroz,
Acostumou-se aos malabarismos
Sua vida é dura, não é feita só de batons,
Colares e pulseiras coloridas
Não é moleza não a poda. 
Certa feita, distraída no passo,
Numa briga de rua, afoita,
Numa disputa por espaço,
Foi pego desprevenida
E perdeu metade da orelha.
Maria tem receio de que um dia
A moça venha lhe peitar, de súbito,
E, numa cilada, num golpe ou vacilo
Ela possa ser nocauteada, em cheio,
Perder os dentes, ficar banguela,
E nesses moldes, catraca desdentada,
Quem vai querer deitar, me diga,
Com essa pobre dona deformada, 
Se a vida já lhe arranca os olhos da cara?
Imagine se se tornar inválida para o batente
Ou lhe aconteça algo pior nesse mundo cão:
Maria das dores ou Maria das graças
Amanheça atirada num canteiro nua
Desfigurada, com a boca cheia de formiga.
Espelho, espelho meu, seria sonho meu
Pensar que a vida real poderia transformar  
O cruel e ambicioso espelho da madrasta,
Obrigando a pobre Maria coitada sem senha 
A usar o elevador de serviço em nome do social,
Ela que tanto já sua ao escalar os 365 degraus impostos 
Ao pagar as promessas com Nossa Senhora da Penha?


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